Seleção natural não vai à copa, nem à cozinha. Só dança.
Fui a uma boate no outro dia, eu estava animadíssima e achando que ia dançar a noite toda. Era a noite do flashback, e como não dançava há muito tempo, não fiquei muito chateada por precisar que me espremer e me apertar para entrar. Estava lotado e eu era levada pelo bolo de gente que transitava. Logo de saída na entrada recebi três cantadas gritadas bem dentro do meu ouvido. Achei aquilo estranho, mas enfim, eu ainda estava animadíssima e encarei as cantadas urradas no meu ouvido como mero elogio.
Depois de achar um lugarzinho para sentar, comecei a observar mais o lugar. O clima era um tanto “agressivo”. Um clima animal, no estrito sentido que a palavra denota. Tentei me situar, espiar melhor, apertando os olhos com atenção. Eu olhava e era olhada. Senti-me avaliada por olhos diferentes dos meus. Meus olhos eram observadores e os olhos que me olhavam eram predatórios. Olhos de gaviões famintos. Fui coberta pela sensação de ser uma peça de carne pendurada no açougue, uma presa a ser abatida.
As mulheres exibiam-se com prazer e cuidado. Gestos pensados, dimensões à mostra. Os homens dançavam contorcendo os Deltóides, Tríceps, Bíceps e tinham olhares devoradores bem calculados e estudados na frente do espelho.
Quando os gaviões me atacaram, até que achei legal distribuir joelhadas, empurrões. Foi uma coisa absolutamente inédita na minha vida. Mas, como sou curiosa, fiquei querendo entender melhor o que era tão atraente ali. Estavam dançando, se divertindo muito, sorrindo sem parar. E formando pares, sem se conhecer. Não havia papo, nem conversa. Não chegava a ter uma química, porque não havia tempo para uma reação comprovada. É, eu não tive mais dúvidas, eles estavam mesmo participando de uma caçada.
Aquela coreografia tinha um fim determinado, tão previsível como qualquer dança de acasalamento, como qualquer ataque predatório. No meu entender de gente, eu sempre achei que sexo animal era outra coisa, de sentido muito atraente, prazeroso. Mas ali, naquele lugar, sexo animal é coisa de quem não se conhece, de quem não troca sequer uma palavra. Não existe afeição, nem amizade, é só um dançar a mesma música, literalmente falando. É só uma coisa de faro, básica. Presa, predador. Dança moderna de Tuiuiús urbanos.
Fiquei pensando no acordar, no se olhar depois e no sair fora. Bem rapidinho, meio no escuro, com medo de que outro note, com a claridade, algo que passou despercebido na véspera. Debandada dos Tuiuiús, volta ao ninho dos gaviões. Presa abatida, missão cumprida.
Fiquei pensando, também, se aquele homem terrorista e aquela mulher Torre Gêmea (ou vice-versa) pensam em, algum dia, ter alguém pra deitar no colo e fazer cafuné. Alguém pra comentar um filme. Alguém para passear sem rumo pela cidade. Alguém para entender e dividir. Alguém para sentir, ter física, ter desordenada geometria nas troca de emoções. Uma química explosão. Sentimentos. Alguém pra rir sem motivo. Alguém pra ficar deitado ao lado, na cama, sem fazer nada. Alguém pra perguntar: está se sentindo bem?, como foi o seu dia no trabalho?, precisa de algo?
Aaaaaaaah, EU preciso. Preciso, sim. Preciso de cafuné, preciso que me olhe nos olhos por longo tempo. Preciso que deite no meu colo. Preciso que não esconda sentimentos. Preciso que admita eu te gosto, eu quero estar com você, eu sinto saudade. Preciso dizer que senti saudade. Preciso dizer que eu gosto de estar ao seu lado. Preciso abraçar e perguntar: Como você está?, está se sentindo bem?, como foi o seu dia no trabalho?, precisa de algo?
E, já que perguntou, pode ir à cozinha e me trazer um copo d’água bem gelado, por favor? E depois, vamos dançar?
Alice Silveira e Malu Luz