sexta-feira, março 19, 2004

SOMBRA

O lugar é sombrio,
Cheio de espuma,
Transbordante,
Vazando,
Vapores de gente.


Tudo é muito úmido,
Calorento...
Abundante,

As risadas,
O suor,
Os olhares prometidos,
Despidos,
Querendo vida.

A jato.

Mas ali,
No meio de tanta névoa,
Com tanto cheiro,
Ninguém é ninguém,
Tudo é nada.

É só moeda,
Que tenta pagar essa troca de forças,
De vontades,
Ansiosas,

E, são só imagens,
Espelhadas,
Torcidas,
Distorcidas,
Reflexos de fantasias,

Como naqueles filmes antigos,
Sem fala.
Em que cada um se mostra,
Exibe,
O que gostaria de ser.
Por um segundo,
Um minuto, ou dois,

Depois edita,
Apaga o que não gostou.

Com sorte ao som de um piano,
Lá ao longe,
O fundo musical.

Mas o filme acaba,
O “the end” aparece bem grande
E a conta chega.

Ali não tem futuro,
Não existe pra sempre.

Pedra falsa,
Vidro brilhante,
Que faísca
Num único instante.



sombra
50

Tenho 50 anos, sou casada pela segunda vez com um homem muito mais moço e sou feliz.
Meu primeiro casamento durou quase 30 anos, entre namoro, viver junto, ter o primeiro filho e casar, de papel passado. Na verdade, foram 28 anos e sete meses.
Tenho quatro filhos lindos, de bom caráter, fortes, bonitos e íntegros. Mas tem uma coisa que me incomoda muito e me angustia: eu não ensinei o principal. Não sei se eles sabem como fazer para serem felizes. Acho que não fui um bom exemplo, na maior parte do tempo.
Tá certo, meus pais também não me ensinaram, eu fui batendo de cabeça, mas aprendi. Errei muito da primeira vez. Principalmente por ficar calada, muda. Não sabia, de verdade, o que era viver com uma outra pessoa, me relacionar, ser direta, trocar sinceridade e ter uma parceria.
Daí, burramente, assumi uma personagem, e como tal fui completamente anulada, eu deixei que me apagassem.
Quis ser comodista, achei que estava me escorando em um poderoso, mas isso aconteceu porque eu não acreditava em mim, e esse “poderoso” me fez continuar a não acreditar.
Meus pais sempre foram pessoas de verdade, escolheram o que quiseram na vida deles, foram corajosos, assumiram posições inéditas em sua época, mas não me deram as dicas, não me repassaram essas experiências, eu não me conhecia.
Um dia, quase que por acaso, conheci o meu poder: descobri que escrevia bem, vi que era bonita, me acharam inteligente, eu me enxerguei, tive fé em mim. E tudo mudou.
Retomei as rédeas, assumi o painel de controle, aprendi a dirigir a minha vida.
Foi complicado, ainda é, mas estou de bem comigo. Sinto muita falta dos meus filhos, tenho dúvidas muito grandes quanto ao futuro deles, torço para que eles aprendam a se descobrir e também, para que encontrem companheiros como o meu, um verdadeiro cúmplice, parceiro de aprendizado, de descobertas, o amor da minha vida.
Entre nós a idade cronológica não importa, temos o mesmo conteúdo curioso, humilde, alegre. Vemos a vida e as pessoas de uma maneira boa, promissora, confiamos em nós e em nosso poder de ser feliz.


PAI

Lamento muito essa coincidência de nomes.
Houve um Silveirinha do bem.

Uma pessoa boa, correta, um empreendedor, industrial, que deixou marcas, e um nome bom. O Silveirinha dele era apelido, não era sobrenome. O sobrenome dele era em maiúscula, SILVEIRA, herdado do pai e do avô, um imigrante português, chegado aqui para trabalhar aos 9 anos.
E o que ele deixou, em obras, também foi grande. Ele teve mais de 5000 famílias sob sua responsabilidade e só as fez crescer, promovendo o bairro que foi a sua vida, financiando moradias, cuidando do bem estar de todos com cooperativas, escolas, creches, hospitais e o time de futebol.
Tenho muito orgulho do meu nome e não gosto nem um pouco de vê-lo misturado com essa corja, que denigre o apelido do meu pai, que também é meu e de todos os seus netos.
O Silveirinha de verdade, foi um grande homem, um cara do BEM, que praticou suas idéias pioneiras, sociais, pregou o bem estar de todos.
Por sua própria conta.
Chegou até a ser penalizado pelo sindicato patronal da época, porque aumentou demais o salário dos operários de sua fábrica de tecidos, que foi precursora, tanto em termos de indústria, de moda, mas, principalmente, como uma comunidade social.


PAI